O fígado e as transaminases (aminotransferases)


José Carlos Ferraz da Fonseca


Médico especialista em doenças do fígado (Hepatologia)


O fígado é um dos órgãos do corpo humano que mais sofre agressões no dia-a-dia, seja por agentes internos ou externos. Os agentes internos se originam do próprio organismo e os mais importantes são autoanticorpos (que tentam destruir o fígado), proteínas tóxicas, colesterol, triglicérides etc. Dos agressores externos, os mais importantes são vírus, bactérias, parasitas, fungos, medicamentos, ervas (leia, neste blog, três artigos sobre drogas e ervas), álcool, cocaína e outras coisinhas mais.

Bem, se o fígado é agredido, como ele responde ao dano? Clinicamente, aumentando de volume (hepatomegalia). Contudo, o melhor indicador do processo inicial de lesão do fígado são os resultados encontrados nas chamadas provas laboratoriais (bioquímicas) de avaliação do órgão.
No arsenal médico, há alguns testes bioquímicos sanguíneos que podem ser utilizados para medir o nível de agressão ao fígado, porém os mais sensíveis e os de maior representatividade são a avaliação de duas enzimas produzidas em parte pelo fígado ou por outros órgãos. A primeira é a transaminase glutâmica oxalacética (TGO), hoje chamada de aspartato aminotransferase (AST), e a segunda é a transaminase glutâmica-pirúvica (TGP), atualmente designada de alanino aminotransferase (ALT).

Os níveis no soro das aminotransferases são significativamente maiores nos homens do que nas mulheres. É notório que a idade também é fator determinante na variação dos valores das aminotransferases. Até os 15 anos de idade, a atividade da AST é discretamente maior do que a da ALT; já entre maiores de 15 anos, a atividade da ALT tende a ser maior do que a da ALT. Por outro lado, acima dos 60 anos, os níveis da ALT e da AST se tornam semelhantes em relação à atividade no soro. Indivíduos de origem africana (sem doença hepática) apresentam taxas maiores das aminotransferases, se comparadas aos níveis encontrados entre brancos.

Quando se deve considerar que o aumento da ALT e da AST no soro representa doença hepática? Discute-se muito no meio médico científico tal fato. Contudo, considero e sigo este procedimento: se o paciente apresentar, principalmente, nível de ALT duas vezes maior do que o valor normal, deve ser investigado. Como exemplo pode-se citar o que acontece com portadores do vírus da hepatite C. Número significativo desses pacientes apresenta as aminotransferases pouco alteradas e pode ser portador de hepatite crônica bastante avançada.

A enzima AST (aspartato aminotransferase) é encontrada em ordem decrescente no fígado, músculos do coração e esqueléticos, rim, cérebro, pâncreas, pulmão, células brancas (leucócitos) e vermelhas (eritrócitos). Torna-se patente que a AST não é uma enzima específica do fígado. Quando órgãos são lesados (necrose do tecido), há liberação da AST para o soro, sendo ela quantificada através de exames bioquímicos. Os valores normais da AST são diferentes conforme o método de avaliação utilizado, todavia, os valores mais aceitos são abaixo de 32 unidades internacionais por litro (32 UI/l).

A AST é aumentada no soro e maior do que a ALT nas seguintes condições:
1. infarto agudo do miocárdio (AST de origem cardíaca);
2. lesão muscular aguda (por grandes traumas ou em portadores de rabdomiólise );
3. portadores de cirrose hepática avançada de qualquer causa;
4. determinadas doenças infecciosas (leptospirose);
5. doenças hepáticas agudas e crônicas alcoólicas;
6. doenças de origem biliar obstrutiva (pedra na vesícula, por exemplo);
7. doenças da tireoide;
8. doença celíaca (doença do intestino delgado por intolerância permanente a glúten);
9. falso aumento das transaminases (cetoacidose diabética, uso de eritromicina).

A enzima ALT (alanino aminotransferase) apresenta maior concentração no fígado, sendo a sua avaliação a mais útil na investigação das doenças do órgão. A enzima é liberada pelo fígado após a destruição do tecido hepático e encontrada rapidamente no sangue. Sabe-se que, tanto em pessoas sadias quanto em hepatopatas, o nível da ALT é maior durante o dia (eleva-se no período da tarde) do que à noite.

Os valores normais da ALT também variam conforme o método de análise utilizado, todavia, os valores mais aceitos são abaixo de 28 UI/l. O risco relativo de morte entre pacientes do sexo masculino e portadores de doença hepática crônica (ALT elevada) é bem maior do que nos pacientes do sexo feminino.

Há aumento da ALT no soro e elevação em relação à AST nas seguintes condições:
1) hepatite aguda (viral, principalmente, com níveis que podem chegar até a 14.000 UI/l);
2) hepatites crônicas (na hepatite crônica delta, se observa um discreto aumento da AST em comparação à ALT);
3) esteatose hepática associada a obesidade;
4) intoxicações agudas por drogas.

Drogas e ervas:e o seu fígado, como fica? (I)
José Carlos Ferraz da Fonseca

Médico especialista em Doenças do Fígado (Hepatologia)







O fígado é o órgão central da metabolização de todas as drogas e a principal vítima das doenças ocasionadas por tais substâncias. Determinadas drogas podem ocasionar as mais diversas reações agudas no nosso fígado, inclusive levando à falência do fígado e, conseqüentemente, à morte por necrose (destruição de tecido), citando como exemplo a ingestão oral de altas doses suicidas do acetominofem (mais de 10 gramas em uma só tomada). Vale salientar que algumas dessas drogas podem também causar lesão hepática crônica, ou seja, dano hepático cuja duração é maior que 2-3 meses.

Como se dá o comprometimento do fígado pelo uso de drogas (remédios, ervas, etc)? Sabemos que existem drogas e ervas tóxicas que atuam agredindo diretamente o fígado e outras que agem em decorrência da reação ou da vulnerabilidade do próprio indivíduo afetado (idiossincrasia). Uma informação complementar se faz necessária sobre este assunto. Por favor, caro leitor, não se assuste, nem todas as pessoas que ingerem tais drogas terão obrigatoriamente uma hepatite aguda (processo inflamatório) ou doença hepática crônica (cirrose hepática).

O problema maior do dano ao fígado está na ação da droga, na dosagem do medicamento (dose elevada), no tempo de tratamento, na combinação com uma ou mais drogas (tratamento da AIDS, tuberculose), doenças hepáticas pré-existentes (esteatose hepática, esteato-hepatite não alcoólica, hepatite crônica viral ou alcoólica, cirrose hepática) e na sensibilidade do seu fígado a tais medicações.

Quais seriam estas drogas ou ervas que agem diretamente no fígado provocando os mais graves danos em alguns pacientes? São várias, desde as produzidas em laboratórios farmacêuticos ou aquelas produzidas em panelas e nas chamas do fogão de nossa casa ou do seu vizinho (chá de ervas ou garrafadas). Lembrei agora de uma garrafada milagrosa feita pela mulher de um dos meus pacientes. O mesmo era portador de cirrose hepática pelo vírus da hepatite C. Na tal garrafada havia de tudo: droga, folha ou raiz, antiinflamatório líquido, mel de cana e abelha, gotas de extrato-hepático, cidreira, sacaca, boldo do Chile, raiz do açaí. Só que para melhorar o gosto do sagrado remédio para o fígado, ela colocava uma colherinha de chá de um determinado biotônico, famoso energético. Ele adorava o tal preparo da esposa amada e queria tomar garrafada toda hora, mas, coitado, nunca melhorou, piorava cada vez mais e acabou indo mais cedo ao encontro do santo protetor dos apreciadores das garrafadas.

Voltamos às drogas que agem e agridem diretamente o fígado. São dezenas e, cada vez, aparecem com maior freqüência no mercado farmacêutico. Entre as substâncias capazes de produzir lesão aguda no fígado e a sua principal indicação terapêutica teríamos:

1)acetominofem ou paracetamol (antitérmico);
2)albendazol (tratamento das verminoses);
3)alopurinol (tratamento da gota e aumento do acido úrico);
4)amiodarona (tratamento e prevenção das arritmias cardíacas);
5)amoxicilina-ácido clavulínico (antibacterianos);
6)ampicilina (antibacteriano);
7)aspirina (tratamento da febre, dores articulares);
8)azitromicina (antibacteriano);
9)cefalexina (antibacteriano);
10)captopril (anti-hipertensivo);
11)cimetidina (tratamento da gastrite ou úlcera gástrica);
12)clorotiazida (diurético);
13)contraceptivos em geral;
14)diazepan (antidepressivo);
15)eritromicina (antibacteriano muito usado em pediatria);
16)estrógeno (hormônio);
17)fenilbutasona (antiinflamatório);
18)ibuprofeno (antiinflamatório);
19)indomecetina (antiinflamatório);
20)isoflurano (anestésico usado em cirurgias);
21)isoniazida (uma das drogas utilizadas no tratamento da tuberculose);
22)ketoconanazol (utilizado no tratamento da candidíase vaginal);
23)sinvastatina (anticolesterol);

24)metildopa (anti-hipertensivo);
25) metrotexato (droga utilizada em várias doenças, inclusive artrite)
26)penicilina (antibacteriano);
27)ranitidina (tratamento da gastrite ou úlcera gástrica);
28)sulfadiazina (antibacteriano);
29) tetraciclina (deve ser evitada durante a gestação)
30)verapamil (anti-hipertensivo)
31)zidovudina (antiviral empregado em pacientes com AIDS).

Duas drogas acima citadas, acetominofem e isoniazida, quando ingeridas com bebida alcoólica aumentam a agressão ao fígado e o paciente pode morrer por falência do fígado.

Existem outras drogas no arsenal terapêutico médico capaz de lesar o fígado? Sim, e as acima citadas seriam as de maior importância para o conhecimento do leitor. No próximo artigo "drogas e ervas: e o seu fígado, como fica? (II)" daremos continuidade ao tema.




Drogas e Ervas: e o seu fígado, como fica? (II)
Foto da planta sacaca ou cajuçara (cróton cajucara Benth).

O que acontece do “ponto de vista clínico” com os pacientes que desenvolvem uma hepatite aguda após ingestão das drogas referidas no artigo anterior publicado neste blog(Drogas e Ervas: e o seu fígado, como fica? (I). Geralmente, as mesmas manifestações clínicas de uma hepatite aguda viral, ou seja, o fígado aumenta de tamanho, os olhos ficam amarelos (icterícia), a urina fica escura (cor de guaraná), ocorrendo em alguns casos febre e urticária (erupção da pele acompanhada de coceira e ardor intenso). Queixas digestivas como vômitos e enjôos são relatadas freqüentemente pelos pacientes. Quanto aos exames laboratoriais, observa-se aumento das taxas sangüíneas das aminotransferases ou transaminases (2 a 8 vezes os seus valores normais). O aumento das aminotransferases no sangue reflete processo de destruição das células do fígado (hepatócitos). Um outro exame sangüíneo que também está alterado pela ação das drogas no fígado seria as bilirrubinas. O aumento da bilirrubina no sangue seria responsável pela coloração amarelada do globo ocular e da pele. A conduta médica nestes casos está explícita na suspensão da droga que se supõe seja a responsável pela doença aguda hepática. Quando ocorrer hepatite fulminante, os pacientes devem ser internados, já que a mortalidade é muito grande entre estes.

O uso prolongado de diversas drogas pode ocasionar doença hepática crônica, evoluindo na maioria dos casos para cirrose hepática. Tais drogas e suas indicações seriam: acetominofem (antitérmico); alfa metildopa (anti-hipertensivo ainda usado no Brasil); aspirina (antitérmico); isoniazida (uma das drogas utilizadas no tratamento da tuberculose); nitrofurantoína (antibacteriano usado freqüentemente em infecções urinárias crônicas); oxifenisatina (laxante ainda usado em alguns países). Estes pacientes apresentam olhos e pele amarelados (icterícia), fígado endurecido e baço aumentado de volume.

Passamos agora a descrever sobre o uso das principais ervas utilizadas pela população com finalidades terapêuticas e seus efeitos deletérios ao fígado. No interior do Brasil (zona rural)e na periferia das grandes cidades, o uso de chás e ungüentos de origem vegetal tornou-se em muitas localidades a única fonte de medicamentos, principalmente nos locais mais isolados e distantes ou carentes de assistência médica. Na medicina popular, temos um arsenal muito grande de produtos derivados de plantas capazes de lesar o fígado pelo seu alto poder tóxico, são as chamadas ervas hepatotóxicas.

Na literatura médica, é freqüente o relato de inúmeros casos de óbito por hepatite fulminante em decorrência da ingestão de drogas de origem botânica. Recentemente tive a oportunidade de ler um artigo científico publicado no “European Journal of Gastroenterolgy & Hepatology”, (2005). O referido artigo relata a ocorrência de falência hepática aguda (hepatite fulminante) em uma paciente francesa após a ingestão do extrato de chá verde (Camellia sinensis). A referida paciente desenvolveu um quadro grave de insuficiência hepática, quadro este que foi irreversível, levando-a a ser submetida ao transplante hepático urgente.

Na literatura brasileira, diversos artigos publicados revelam casos fatais de hepatite pelo uso do chá ou cápsulas da não menos famosa sacaca ou cajuçara (cróton cajucara Benth), figura acima postada. A sacaca é utilizada pela população do norte brasileiro para tratar diarréia, diabetes, para baixar o colesterol, redutora do peso, distúrbios do fígado e do rim. Diz o povo, “se a sacaca é amarga, faz bem para o fígado”. Triste engano: deixe as folhas da sacaca em paz. Sobre a sacaca, o que posso informar de bom? Sabe-se apenas que testes preliminares revelam que o extrato da sacaca é ótimo para matar até 100% das larvas do transmissor da Malária contidas em criadouros.

Vivemos pressionados pela mídia e pelos manipuladores de ervas medicinais para usarmos tais produtos, partindo do pressuposto: “o que é natural é bom e não faz mal”. Grande parte dos meus pacientes com doença hepática crônica, antes de se consultarem pela primeira vez, relatam que se automedicam com preparos naturais compostos de ervas medicinais. Na Alemanha, gasta-se anualmente mais de 350 milhões de reais com um produto composto de erva (extrato seco de cardus mariannus - silimarina) para tratar as doenças crônicas do fígado. Está comprovado cientificamente que tal droga não tem qualquer efeito na proteção ou cura de qualquer doença do fígado. Tive pacientes que tiveram que ser hidratados com soro endovenoso, em decorrência de um quadro diarréico copioso após a ingestão de tal medicação.

No próximo artigo, daremos continuidade ao tema Drogas e Ervas: e o seu fígado, como fica? (III), com ênfase as ervas medicinais que poderiam ocasionar reações adversas ao fígado.


Drogas e Ervas: e o seu fígado, como fica? (III)José Carlos Ferraz da Fonseca
Médico especialista em Doenças do Fígado (Hepatologia)
Foto da planta sacaca ou cajuçara (cróton cajucara Benth).

O que acontece do “ponto de vista clínico” com os pacientes que desenvolvem uma hepatite aguda após ingestão das drogas referidas no artigo anterior publicado neste blog(Drogas e Ervas: e o seu fígado, como fica? (I). Geralmente, as mesmas manifestações clínicas de uma hepatite aguda viral, ou seja, o fígado aumenta de tamanho, os olhos ficam amarelos (icterícia), a urina fica escura (cor de guaraná), ocorrendo em alguns casos febre e urticária (erupção da pele acompanhada de coceira e ardor intenso). Queixas digestivas como vômitos e enjôos são relatadas freqüentemente pelos pacientes. Quanto aos exames laboratoriais, observa-se aumento das taxas sangüíneas das aminotransferases ou transaminases (2 a 8 vezes os seus valores normais). O aumento das aminotransferases no sangue reflete processo de destruição das células do fígado (hepatócitos). Um outro exame sangüíneo que também está alterado pela ação das drogas no fígado seria as bilirrubinas. O aumento da bilirrubina no sangue seria responsável pela coloração amarelada do globo ocular e da pele. A conduta médica nestes casos está explícita na suspensão da droga que se supõe seja a responsável pela doença aguda hepática. Quando ocorrer hepatite fulminante, os pacientes devem ser internados, já que a mortalidade é muito grande entre estes.

O uso prolongado de diversas drogas pode ocasionar doença hepática crônica, evoluindo na maioria dos casos para cirrose hepática. Tais drogas e suas indicações seriam: acetominofem (antitérmico); alfa metildopa (anti-hipertensivo ainda usado no Brasil); aspirina (antitérmico); isoniazida (uma das drogas utilizadas no tratamento da tuberculose); nitrofurantoína (antibacteriano usado freqüentemente em infecções urinárias crônicas); oxifenisatina (laxante ainda usado em alguns países). Estes pacientes apresentam olhos e pele amarelados (icterícia), fígado endurecido e baço aumentado de volume.

Passamos agora a descrever sobre o uso das principais ervas utilizadas pela população com finalidades terapêuticas e seus efeitos deletérios ao fígado. No interior do Brasil (zona rural)e na periferia das grandes cidades, o uso de chás e ungüentos de origem vegetal tornou-se em muitas localidades a única fonte de medicamentos, principalmente nos locais mais isolados e distantes ou carentes de assistência médica. Na medicina popular, temos um arsenal muito grande de produtos derivados de plantas capazes de lesar o fígado pelo seu alto poder tóxico, são as chamadas ervas hepatotóxicas.

Na literatura médica, é freqüente o relato de inúmeros casos de óbito por hepatite fulminante em decorrência da ingestão de drogas de origem botânica. Recentemente tive a oportunidade de ler um artigo científico publicado no “European Journal of Gastroenterolgy & Hepatology”, (2005). O referido artigo relata a ocorrência de falência hepática aguda (hepatite fulminante) em uma paciente francesa após a ingestão do extrato de chá verde (Camellia sinensis). A referida paciente desenvolveu um quadro grave de insuficiência hepática, quadro este que foi irreversível, levando-a a ser submetida ao transplante hepático urgente.

Na literatura brasileira, diversos artigos publicados revelam casos fatais de hepatite pelo uso do chá ou cápsulas da não menos famosa sacaca ou cajuçara (cróton cajucara Benth), figura acima postada. A sacaca é utilizada pela população do norte brasileiro para tratar diarréia, diabetes, para baixar o colesterol, redutora do peso, distúrbios do fígado e do rim. Diz o povo, “se a sacaca é amarga, faz bem para o fígado”. Triste engano: deixe as folhas da sacaca em paz. Sobre a sacaca, o que posso informar de bom? Sabe-se apenas que testes preliminares revelam que o extrato da sacaca é ótimo para matar até 100% das larvas do transmissor da Malária contidas em criadouros.

Vivemos pressionados pela mídia e pelos manipuladores de ervas medicinais para usarmos tais produtos, partindo do pressuposto: “o que é natural é bom e não faz mal”. Grande parte dos meus pacientes com doença hepática crônica, antes de se consultarem pela primeira vez, relatam que se automedicam com preparos naturais compostos de ervas medicinais. Na Alemanha, gasta-se anualmente mais de 350 milhões de reais com um produto composto de erva (extrato seco de cardus mariannus - silimarina) para tratar as doenças crônicas do fígado. Está comprovado cientificamente que tal droga não tem qualquer efeito na proteção ou cura de qualquer doença do fígado. Tive pacientes que tiveram que ser hidratados com soro endovenoso, em decorrência de um quadro diarréico copioso após a ingestão de tal medicação.

No próximo artigo, daremos continuidade ao tema Drogas e Ervas: e o seu fígado, como fica? (III), com ênfase as ervas medicinais que poderiam ocasionar reações adversas ao fígado.

Drogas e Ervas: e o seu fígado, como fica? (IV)


Foto do Confrei. Imagem obtida no website www.iac.sp.gov.br/PAM/Especies/Confrei.htm


Quais seriam tais ervas medicinais que poderiam ocasionar tantas reações adversas ao fígado e a outros órgãos? Nas bancas originais dos mercados municipais do Brasil, seja em Manaus, Belém, Salvador e outros mais, podemos verificar dezenas de feixes de folhas, caroços, sementes, cascas, raiz e cipó de produtos naturais. Imagine tudo aquilo, imaginou? Pois é, caro leitor, tudo é bem menor nos mercados municipais brasileiros quando comparado com uma feira que tive a oportunidade de visitar em Cingapura durante o mês de setembro de 2004. A feira de produtos naturais estendia-se por dois quarteirões, tinha centenas de bancas com plantas, raízes, cascas, garrafadas. Encontrei até testículo de cachorro, rabo de tigre e morcego secos. Imaginei-me até procurando por um tipo de raiz que tivesse alguma ação contra a traição e ingratidão de supostos amigos institucionais. Claro, era só imaginação, tal erva não existe. Somos nós próprios que a semeamos e, portanto, devemos colhê-la.

As ervas asiáticas são famosas no mundo inteiro e responsáveis em grande parte pelas hepatites agudas e crônicas de origem medicamentosa nos Estados Unidos da América e na Europa. Determinadas ervas chinesas são tão agressivas ao fígado que se aplicadas na pele para fins de tratamento dermatológico (dermatites) são capazes de provocar hepatite fulminante e, conseqüentemente, óbito. Uma das composições de uso tópico dermatológico que provocam quadros graves de hepatite contém 14 tipos de ervas diferentes. Os autores que descreveram tal problema sugerem que o efeito agressivo ao fígado ocorra em razão da combinação da erva paeonia suffructicosa com as outras ervas. Dois produtos naturais de origem chinesa e conhecidas como “ervas do rei” são responsáveis nos Estados Unidos da América por formas graves de hepatite aguda, inclusive hepatite crônica. A primeira, Jin Bu Huan (Lyppocodium serratum) é usada como droga sedativa e a segunda, Ma-Huang (Ephedra sp.), estaria indicada como droga redutora de peso. As duas são muito utilizadas pelas mulheres americanas em busca da leveza espiritual e material.

Nos Estados Unidos e no Brasil, existe uma paranóia pelo emagrecimento rápido. Na minha vida, eu nunca vi tantos produtos naturais capazes de operar milagres na silhueta dos obesos. Tive uma paciente de 28 anos de idade que, após um tratamento a base de 10 ervas, emagreceu 25 quilos. Calma, prezado leitor, o emagrecimento não foi provocado pelas “10 ervas” e sim pela indicação médica da mesma fechar a boca para alimentos nocivos em decorrência de uma bruta hepatite aguda provocada pela droga. Devo estar deixando a impressão ao leitor de que ao escrever sobre produtos naturais para o uso terapêutico sou extremamente contra o uso de tais produtos botânicos. Muito pelo contrário, o que você acha? Vejam, drogas importantíssimas utilizadas no arsenal terapêutico médico são de origem vegetal, como o quinino (tratamento da malária) e a digoxina (tratamento da insuficiência cardíaca). O problema maior é que continuamos achando que tudo que provém da natureza não faz mal.

Volto a perguntar! Quais seriam as principais ervas medicinais que poderiam ocasionar tantas reações adversas ao fígado e a outros órgãos? São centenas, mas as poucas que aqui passo a descrever seriam aquelas comumente usadas pela população brasileira, tais como:

1.- arnica (utilizada em forma de tintura nos processos de traumas e quando ingerida provoca hepatite aguda grave);

2.- carvalinha ou camédrio (indicada como laxante, vermífugo, diurético e sua ingestão está associada com hepatite aguda, fulminante e crônica);

3.- casca sagrada (indicada como laxativo e também provoca hepatite aguda);

4.- confrei (seu extrato é utilizado como cicatrizante, mas se ingerido ocasiona hepatite aguda e fulminante);

5.- sacaca (de acordo com o povo cura todos os males, todavia causa hepatite aguda, fulminante, crônica e até cirrose);

6.- erva de São João (tratamento da ansiedade e ocasiona hepatite aguda e fulminante);

7.- sena (droga abortiva, causando hepatite aguda muito discreta);

8- sálvia (serve para tratar gota, constipação intestinal, dispepsia, indisposição, astenia, diabetes, úlceras varicosas e, quando usada em pacientes cirróticos, pode provocar hemorragia).

Finalizando a série destes três artigos sobre drogas e ervas, revelo uma das combinações de ervas mais indicadas pelos apreciadores da medicina natural para combater os males do fígado: Espinheira Santa + Sacaca + Carqueja amargosa + Boldo do Chile + Camomila + Dente de leão e Alfazema. Alguém ainda teria coragem de tomar uma lapada do chá feito com as sete ervas? Se sim, estou a sua inteira disposição para uma consulta médica sem qualquer ônus num futuro bem próximo.

Diversas publicações cientificas internacionais começam a revelar ao mundo médico, os problemas relacionados com a ingestão do produto "Herbalife". Quadros graves de hepatite, inclusive com óbitos, estão sendo descritos em vários lugares do mundo. Ouça sempre o seu
médico antes de tomar qualquer chá medicinal.