O fígado e os seus remédios protetores (hepatoprotetores)

José Carlos Ferraz da Fonseca

Médico especialista em Doenças do Fígado (Hepatologia)






Se o povo e os laboratórios tiverem razão, são tantos os remédios que supostamente protegem o fígado que daria para escrever vários capítulos e até uma enciclopédia sobre o assunto.

Começo propriamente este artigo contando a história de um projeto de pesquisa que fui convidado para participar há alguns anos. Um determinado laboratório multinacional, com sede nos Estados Unidos, convidou vários pesquisadores latinos, inclusive americanos, para testar seu produto, um famoso e suposto “hepatoprotetor” com sabor de “fruta tropical”. O desenho do estudo era até interessante e acima de tudo ético. Mas, lendo e relendo o protocolo da pesquisa, acabei desconfiando que os componentes de tal “hepatoprotetor” não protegiam nada, muito menos o fígado. Elegantemente, recusei participar do estudo. Passaram-se alguns anos e, um dia, participando de um dos inúmeros congressos médicos sobre doenças do fígado, soube que os resultados obtidos com o tal “hepatoprotetor” iriam ser apresentados. Sem saber dos resultados, fiquei até um pouco apreensivo de assistir tal apresentação, principalmente pelo meu prejulgamento, talvez um pouco anti-hepático (desculpe o trocadilho). Final da pequena história que aqui escrevo: o tal “hepatoprotetor” não protegia o fígado e sua ação maior era a de acelerar o trânsito intestinal, ou seja, excelente para prisão de ventre. Nasceu assim um outro santo e remédio protetor, claro, das hemorróidas.

Existe alguma droga que proteja o fígado contra as agressões do dia-a-dia? No momento, não. Uma vez mortas as células do fígado, elas não se recuperam. Peço desculpas ao leitor com conhecimento de causa sobre o assunto, mas não vou citar nome comercial ou de fantasia dos chamados hepatoprotetores, pois posso ser processado e não tenho como pagar, já que o meu salário como pesquisador estadual e professor universitário federal (os dois juntos) é bem menor do que o do ascensorista ou do amigo-irmão-primo-cunhado-afilhado-motorista do congresso nacional.

Minha experiência sobre os chamados remédios protetores do fígado (hepatoprotetores) é zero, pois nunca ousei prescrever um hepatoprotetor na minha vida profissional. Mesmo assim, um número significativo de médicos, parte do povo brasileiro e quase todos os meus pacientes já prescreveram ou experimentaram os tais protetores encontrados nas prateleiras das farmácias ou drogarias. Depois de experimentarem por conta própria - ou medicados pelos amigos da sexta-feira e do sábado -, toneladas de comprimidos e flaconetes do líquido milagroso, vem a clássica pergunta: “como está o meu fígado Doutor José Carlos?. Já posso tomar uma cervejinha, comer farofa de jabá ou calabresa frita? No dia do jogo do Flamengo minha mulher vai fazer vatapá carregado nas pimentas murupi e malagueta, posso comer um montão?” Respondo sempre sem muita seriedade: o senhor continua o mesmo, mas o seu fígado não mudou nada, continua uma poça de gordura. A decepção do paciente provocada pela ineficácia do “santo remédio milagroso” é tão profunda que, algumas vezes, o paciente torna-se agnóstico.

Certo dia, uma paciente procurou-me pela primeira vez informando que tinha se consultado com um cardiologista famoso no sudeste brasileiro e ele a diagnosticou, além de hipertensa, como portadora de esteatose hepática (acumulo de gordura no fígado). No ato, o referido cardiologista prescreveu um remédio protetor do fígado, dizendo que, quando abusava da cerveja e do churrasco, tomava antes várias doses do santo remédio e era tiro certo: o fígado não sofria nada. A pergunta da minha paciente foi clássica: “Aí doutor, continuo tomando o remédio ou não?”. Alguns amigos dizem que, quando fico pressionado por algum questionamento sobre os tais protetores do fígado, me transformo totalmente e passo da sutileza de uma borboleta para a de um hipopótamo acuado numa poça de lama. Acabei por responder exatamente assim, para a surpresa e susto de minha pretensa paciente: suspenda o tal remédio e mude de cardiologista. Não sei se ela vai retornar a consulta. Espero que sim.

Finalizando este artigo, informo ao prezado leitor sem problemas no fígado que existem outras maneiras de proteger o seu fígado e as principais são:

a) evite comida gordurosa e frituras;
b) se beber (álcool), não exagere;
c) se fumar, abandone o vício, lembre-se, fumar também faz mal para o fígado;
d) evite se automedicar; esqueça alguns chás ou infusão (principalmente sacaca);
e) vacine-se contra os vírus da hepatite A e B;
f) procure saber se você é diabético ou tem algum problema na tireóide;
g) tenha sempre uma atividade física (caminhe, malhe, nade, faça hidroginástica); emagreça, se necessário;
h) faça exames periódicos.

Por outro lado, se você tem alguma doença crônica no fígado e está em tratamento, continue evitando excessos na comida e não se esqueça que você não pode beber quaisquer bebidas alcoólicas. Finalmente, faça pelo menos uma vez por ano uma revisão médica do seu fígado, pois com certeza ele vai agradecer. Lembre-se que ainda não existe até o presente momento qualquer droga que tenha alguma ação eficaz na proteção de seu fígado.

18 comentários:

Unknown disse...

Meu caro amigo Dr.José Carlos, como foi maravilhoso encontrar postado neste blog uma materia que para mim tem alto valor, tenho 57 anos e vou fazer uma viagem de bike pelo Brasil, para levar informações sobre doenças curáveis, trataveis e que ainda matam demais,por falta de orientação e informação, meu público alvo será os mais carentes e afastados de cidades e ambulatórios de saude, tipo camponeses, roceiros, pessoas que não tem nenhum meio de comunicação pessoas sem estudo, mas que também precisam ser informadas de forma simples sem muita palavras bonitas do dicionário médico, onde dor de cabeça é dor de cabeça mesmo, nada de cefaléia, a endometriose é dor na barriga quando tá de xico e por ai se vai, eu poderia usar seu material copiando sem autorização, mas a minha modestia me leva a ser sincera, correta e valorizar um trabalho que vai me ajudar, por isso estou pedindo autorização para levar em minha mochila seu trabalho e fazer uso de sua pesquisa onde ela for necessária. Deus abençoe este seu trabalho e gostaria muito de ter um outro contato com o senhor. caso seja possivel meu endereço eletronico é bethbernardo@gmail.com, contando com o seu retorno parabenizo-o mais uma vez pelo maravilhoso artigo postado. um grande abraço, Beth

Anônimo disse...

Meu caro Dr. José Carlos, adorei sua matéria sobreo fígado. Gostaria que voce me falasse sobre os cistos hepáticos.

Anônimo disse...

só posso dizer obrigadoooooooo

Unknown disse...

Prezado Doutor José Carlos:

Muito objetivo e sério, o seu trabalho. Quanto à esteatose, fui submetido recentemente a uma endoscopia, onde foi constatada. O endócrino, prescreveu apenas evitar gorduras e frituras. Pergunto-lhe: é só isso mesmo ? Obrigado pela atenção que merecer o presente. João Evangelista - Campinas - filejim@terra.com.br

Unknown disse...

Muito obrigada pelos esclarecimentos, encontrei seu blog por acaso, pesquisando sobre o epocler, que ate entao eu achava ser excelente para o figado...ehhhh...

Anônimo disse...

Dr. José Carlos, adorei seu blog. O sr. me parece um exelente médico e é bem hilário (o que faz muito bem para o fígado).
Vou marcar uma consulta urgente com o Sr. Se, bem no meu caso, é morrer e nascer de novo. Faço o o contrário de tudo o que diz, por isto, estou com 20kg. acima do peso e vivo me jogando igual uma jaca madura.
Me aguarde em breve para uma consulta.
Adorei de verdade seu artigo.

Anônimo disse...

Prezado Doutor,

Este seu espaço é muito valioso, pois informa em linguagem acessível e direta.
Interessante comentar que o "hepatoprotetor" com sabor de "fruta tropical" continua sendo vendido em largas quantidades, chegando mesmo a faltar em algumas drogarias aqui na região Sudeste em época de carnaval e fim de ano.

Um fraternal abraço. Luiz.

Anônimo disse...

Coragem para dizer o que é e como é. É disto que precisamos. Também coragem para aceitar. Um grande abraço.

Anônimo disse...

Dr.José Carlos!!!
Hoje pretendo começar a cuidar de mim de verdade. Já listei o que posso comer e o que não posso. Tenho esteatose hepática, por causa de maus hábitos na alimetação.Muito obrigada e Deus me ajude a conseguir fazer a dieta.
Um abraço

Rosane Siqueira disse...

DR. fiquei muito satisfeita, pois já estava tomando chá de boldo á tempos e só tinha diarréias!

Anônimo disse...

Muito boa a sua matéria. Gostaria de saber sua opinião sobre a "SILIMARINA".

Denise Gioielli disse...

Fiquei muito feliz ao ler o seu texto sobre o fígado,pois há anos meu marido tenta se enganar se entupindo de hepatoprotetores e justamente quando eu procurava mais uma vez um chá milagroso encontrei seu blog e fiz questão de informar para ele que era mais fácil parar de beber do que regenerar o seu fígado.
Obrigado pelo "texto milagroso"!
Denise

Raquel Lacerda disse...

Parabéns Dr. José Carlos. Este texto me esclareceu muito.
Abraços, Raquel.

Anônimo disse...

Respeito sua opinião, mas discordo!
Diversos estudos na Alemanha corroboram os efeitos benéficos da silimarina para o fígado. O óleo de prímula da noite que possui ação anti-inflamatória e ajuda na diminuição das transaminases; os aminoácidos metionina¸ cisteína e glutamina que auxiliam na eliminação das toxinas hepáticas; a vitamina E¸ o mineral selênio e o ácido alpha-lipóico¸ que atuam na síntese do complexo 
antioxidante glutationa peroxidase. Agentes como a colina¸ betaína¸ metionina¸ vitamina B6¸ ácido fólico e vitamina B12¸ são úteis para promover a fluidez da bile para fora do fígado. Já as vitaminas do complexo B são importantes para evitar o dano celular e ajudar no mecanismo de detoxificação.

Raimundo Silva disse...

Caro DR. José Carlos.
Paz!
Seu blog é didático e enriquecedor. Parabéns por ele.
Por obséquio, ajude-me numa dúvida:estou tomando dois antibióticos durante 15 dias (CIPRO e FLAGYL,para combater um abscesso anal) além disso já tomava Venlafaxina e minhas enzimas hepáticas eram:Transaminase Pirúvica: 110 u/L - Transam. Oxalacética: 66.
A Venlafaxina altera tanto estas taxas?
E o antibióticos?
Deus o recompensará por sua ajuda.
Grato!
Raimundo Silva - São Paulo - SP

Geraldo Andrade disse...

Dr. José Carlos, é de médicos como o Sr. que precisamos, sua matéria é maravilhosa, muito obrigado por compartilhar seu conhecimento com tanta sinceridade, que Deus te proteja sempre.

Anônimo disse...

Foi receitado a meu cachorro um protetor hepático com b12 (tb não vou citar a marca) e ele ficou bem mais disposto. Será que foi psicológico rsrs?

Robson Martins disse...

Com certeza o senhor não conhece o Forfig, medicamento a base de silimarina, estude-o...