Barriga-d’água (ascite): suas causas e consequências


José Carlos Ferraz da Fonseca

Médico especialista em Doenças do Fígado (Hepatologia)


Paciente (sexo feminino, 54 anos) apresentando aumento do volume abdominal (barriga-d'água) em consequência da cirrose hepática (foto pertencente ao arquivo do autor).









Paciente (sexo masculino, 36 anos) com barriga-d'água em decorrência de problemas renais (foto gentilemente cedida pelo ex-editor do extinto jornal Correio Amazonense).





Paciente (sexo masculino, 28 anos) apresentando aumento do volume abdominal (barriga-d'água) em consequência da cirrose hepática pelos vírus das hepatites B e Delta. Nota-se cicatriz umbilical protusa (foto pertencente ao arquivo do autor).

Este artigo começa com a história de uma jovem paciente procedente do rio Purus (Estado do Amazonas, Brasil). Sua mãe procurou-me em Manaus no início dos anos noventa para consultá-la e contou a seguinte história: “Doutor, minha filha (14 anos) ficou de repente com o olho amarelo (icterícia), baldeia muito (vômitos), está com a urina escura e o farmacêutico (atendente de drogaria com 1º. grau incompleto, um dia até conheci a figura) disse que ela está grávida e com tirícia (icterícia). O maior problema é que ela está grávida mesmo, veja o tamanho do barrigão da menina”. Conversei com a garota e esta me informou que não menstruava há 6 meses (pacientes com doença hepática crônica raramente menstruam). Seria algum tipo de doença ictérica que ocorre durante a gravidez, pensei? Entretanto, logo após a inspeção clínica do abdome, verifiquei que a suposta gestante tinha somente uma barriga-d’água de bom tamanho, lembrando quase uma barriga de nove meses de gravidez. Falei para a mãe que sua filha não estava grávida e que tudo o que estava acontecendo seria provavelmente um problema crônico no fígado ocasionando a barriga-d’ água. Durante a consulta, o diálogo entre mãe e filha foi cômico e as palavras da mãe foram exatamente estas: “Diz pro teu namorado que o apelido dele agora vai ser Zé cacimba, só faz água”. Infelizmente, depois de todos os exames prestados, os resultados revelaram que a minha paciente realmente portava uma cirrose hepática descompensada, tendo como causa a infecção pelos vírus da hepatite B e Delta, doença e viroses comuns entre habitantes do rio Purus . Infelizmente, a paciente desta pequena história morreu seis meses após o diagnóstico.

Afinal, o que é barriga d’água? Simplesmente uma coleção de líquido acumulado no peritônio (membrana serosa que recobre as paredes do abdome e a superfície dos órgãos digestivos), cujo líquido pode ser seroso (secreção fluída e aquosa), sanguinolento (hemorrágico) ou quiloso (líquido leitoso contendo linfa e gordura). Este líquido geralmente livre e contido dentro da cavidade abdominal provém de processos inflamatórios, infecciosos, distúrbios circulatórios ou cancerígenos.

Quais seriam as principais causas de barriga d’água de origem infecciosa ou inflamatória? São dezenas. As mais importantes, contudo, por ordem de importância seriam: apendicite, úlcera péptica perfurada, perfuração intestinal por febre tifóide, ruptura da vesícula biliar (pedra na vesícula), diverticulite (doença inflamatória intestinal), tuberculose e sífilis. E as de origem circulatória, quais são? As mais importantes para o conhecimento do leitor seriam: cirrose hepática e biliar, insuficiência cardíaca, trombose (coágulo em vaso sanguíneo), ruptura de aneurisma (dilatação de um vaso ou artéria) intra-abdominal, doenças das válvulas cardíacas (estenose mitral) e do pericárdio (camada que envolve o coração), vários tipos de câncer (tumores malignos do fígado e pâncreas, linfomas, leucemia). Outras causas menos comuns da barriga-d’água seriam: doenças renais e da tireóide, alimentação defeituosa e anemia por câncer.

O câncer pode provocar barriga-d’água? Sim e os tipos mais comuns seriam: tumores malignos do fígado e pâncreas, linfomas e leucemia. Como você pode ter observado, não é só cirrose hepática que provoca barriga-d’água...

Quais as condições médicas ou naturais que podem ser confundidas com a barriga-d’ água? Principalmente a gravidez ou falsa gravidez, cistos e tumores de ovário, cisto de pâncreas. Como se faz o diagnóstico de barriga-d’água? Na maioria dos casos, através de um bom exame clínico, ou através de um simples exame de ultra-sonografia do abdome.

Barriga-d’água tem tratamento e cura? Sim, se tratada devidamente à causa, principalmente as de origem infecciosa como a tuberculose intestinal e a apendicite. Por outro lado, em pacientes com barriga-d’água por cirrose hepática ou biliar, o tratamento com remédios e dieta reduz significativamente o volume abdominal por um certo período. Porém, o único meio de cura nesses pacientes seria o transplante hepático.

Café faz bem ou mal para o fígado?
José Carlos Ferraz da Fonseca
Médico especialista em Doenças do Fígado (Hepatologia)



O título deste artigo é uma das perguntas mais frequentes por parte dos meus pacientes na clínica diária. Geralmente digo que não faz mal, mas sempre inseguro por falta de informações científicas confiáveis, pois sei de outros efeitos colaterais que o café (coffea arabica) consumido em altas doses e muito quente provoca, principalmente no aparelho digestivo, tais como: câncer de esôfago, câncer de faringe, gastrite, úlcera gástrica e câncer de reto (parte final do intestino grosso). Tanto a gastrite como a úlcera gástrica, diagnosticadas em grandes bebedores de café (mais de oito xícaras por dia), ocorrem pelo aumento da secreção ácida (ácido clorídrico) do estômago, ação esta promovida pela cafeína. Altas doses de café podem provocar também nervosismo, insônia, aumento da pressão arterial e dos níveis do colesterol total.

O café que bebemos contém: cafeína, potássio, magnésio, cálcio, ferro, sódio, gorduras, açucares, sais minerais, substâncias antioxidantes e vitaminas do complexo B. As propriedades benéficas do café são inúmeras e as consideradas mais importantes seriam:

a) a melhora do humor;
b) estimula a memória,
c) melhora da atenção e concentração;
d) diminui a incidência de depressão;
e) aumenta a energia física sem causar dependência;
f) evita o consumo de álcool e drogas em jovens;
g) alivia as dores de cabeça.

Diversos trabalhos científicos revelam que o café teria propriedades medicinais comprovadas, tais como:

a) no controle do alcoolismo;
b) redução em 30% o aparecimento do diabetes tipo 2;
c) na diminuição do risco de contrair doença de Parkinson;
d) prevenção do câncer de colon (parte do intestino grosso);
e) risco menor (40%) de desenvolver pedras na vesícula biliar.

Os resultados obtidos nesses estudos científicos são muito discutidos e os próprios autores recomendam que as pessoas não tomem café exageradamente como forma de tratamento e prevenção.

Com relação ao fígado, o café faz bem ou mal? De acordo com dezenas de artigos médicos publicados recentemente (2001-2011), o café faz mais bem para o fígado do que mal. Escolhi entre tantos artigos, quatro estudos que considerei de alto padrão científico e que foram realizados em três países diferentes: Japão, Itália e Estados Unidos. No estudo realizado no Japão (agosto 2001), os resultados revelaram que em pacientes japoneses que consumiam mais de cinco xícaras de café por dia ocorria uma diminuição significativa das enzimas hepáticas (alanina aminotransferases-AST/ALT), que se encontravam previamente aumentadas pelo consumo de álcool.

Um estudo realizado na Itália (outubro 2001) revela que o consumo de quatro ou mais xícaras de café ao dia seria capaz de inibir o aparecimento da cirrose hepática em pacientes alcoólatras ou não. Segundo os autores, o café, em doses de quatro ou mais xícaras por dia, teria uma ação protetora ao fígado contra o álcool . Por favor, mesmo conhecedor destes resultados científicos, tome café e álcool moderadamente, já que tal “proteção ao fígado” não acontece com todo mundo e você pode ser uma exceção.

Um outro estudo concretizado também na Itália (abril 2005) é muito interessante e sugere que o consumo de café por mais de uma década (mais de três xícaras por dia) reduz o risco de um indivíduo desenvolver câncer primário de fígado (leia artigo publicado neste blog sobre câncer primário de fígado), quando comparados com os não bebedores de café. Os resultados obtidos nesse estudo estão sendo questionados, por uma simples razão metodológica: os autores não informam sobre o consumo de tabaco entre os pacientes estudados, mesmo sabendo que o cigarro é uma das causas de câncer de fígado (leia artigo publicado neste blog sobre o cigarro e o fígado).

A pesquisa mais interessante foi realizada nos Estados Unidos (dezembro 2005) e sugere que o consumo de café e chá estaria associado à baixa incidência (números de casos novos) de doenças hepáticas crônicas, tendo como exemplo principal a cirrose hepática. Pacientes com hepatite crônica alcoólica ou de origem viral que fazem uso constante de café ou chá teriam uma evolução mais lenta para cirrose do que aqueles portadores de hepatite crônica sem hábito de tomar café. De acordo com os autores, duas xícaras de café ou chá por dia seriam suficientes para diminuir os problemas do fígado, inclusive internações hospitalares intercorrentes da doença crônica do fígado.

Novos estudos publicados e realizados na França (2011), reforçam o efeito hepatoprotetor do café entre portadores de hepatite crônica C. Um total de 238 pacientes virgens de tratamento com hepatite crônica C histologicamente comprovado, foram incluídos no estudo.O consumo diário de cafeína foi calculada como a soma dos valores médios de ingestão de café com cafeína, chá e refrigerantes que contêm cafeína.. Pacientes (154 homens, 84 mulheres, com idade média de 45 ± 11 anos) foram classificados de acordo com quartidade de consumo de cafeína: grupo 1 (225mg/dia <, n = 59), grupo 2 (225-407mg/dia, n = 57), grupo 3 (408-678mg/dia, n = 62) e grupo 4 (> 678mg/dia, n = 60). Pela análise multivariada, o consumo de cafeína diária superior a 408mg/dia (3 xicaras ou mais por dia) foi associado com um menor risco de atividade da classe inflamatoria hepática. O consumo de cafeína superior a 408mg/dia (3 xícaras ou mais) está associada com atividade histológica reduzida em pacientes com hepatite C crônica. Estes resultados suportam potenciais propriedades hepatoprotetora da cafeína na doença hepática crônica.

Em artigo publicado em julho de 2014 na revista Hepatology, ou seja, bem mais recente, grupo de pesquisadores chineses sugerem pelos resultados encontrados, que o café faça parte do arsenal terapêutico médico em pacientes com cirrose hepática. Foi observado que o uso do café teria efeito protetivo na mortalidade entre pacientes cirróticos.

Finalizando este artigo sobre a relação fígado e o ato de beber café, fica patente ao leitor que o café tomado moderadamente só faria bem ao seu fígado, apesar de não sabermos qual ou quais os componentes de tal bebida que agiria protegendo seu fígado. Mas não esqueça que o café pode provocar outras doenças, inclusive câncer e é bom evitar ingerir café muito quente e mais do que cinco xícaras por dia.